PARARNALDO ÀS AVESSAS

Eu sempre soube que um dia precisaria falar sobre o Arnaldo Antunes.
Pela importância que ele tem pra mim.
Pela importância que ele tem pra muitas pessoas que são tocadas pelo seu trabalho.
Apesar de ser relativamente próximo ao meu pai e a diversas pessoas que eu conheço, tive poucas conversas com o Arnaldo, todas muito rápidas. Sempre fiquei um pouco desconcertada ao lado dele. Talvez pelo seu jeito próprio, grave, denso e, de certa forma, tímido.
Na infância, numa viagem a Campos de Jordão em que estávamos na mesma casa, quando eu me via somente com ele numa sala, numa sauna, ou cozinha, ficava sem graça, acabava dando um jeito de zarpar.
Uma vez, nessa mesma viagem, me deram uma travessa de ovos de codorna para oferecer aos adultos e me mandaram pra sala onde só havia o Arnaldo, amarrando o sapato da filha, Celeste. No meu desacerto entre oferecer e voltar pra cozinha derrubei todos os ovos no chão e me vi, em seguida, com ele e sua filha, tendo que recolhê-los um a um.
Talvez esse meu comportamento na infância já pressentisse a admiração artística que iria se configurar alguns anos mais tarde.
Aos 17, quando teria que fazer uma monografia de português na escola, um estudo mais aprofundado sobre algum tema, decidi que estudaria sua obra. Ele era então recém saído dos Titãs com três discos na carreira solo, "Nome", "Ninguém", "O Silêncio", e alguns livros como "Psia".
É difícil explicar nessas poucas linhas a transformação que se deu no meu olhar sobre poesia, música e o fazer artístico. Talvez a própria monografia - que eu já não tenho mais - explicasse melhor. Mas ela ficou plantada em mim. E me transformou profundamente.
Vi no seu trabalho o mergulho - sem medo da música - na palavra desconstruída. Vista sob outras óticas. A palavra-coisa. Fui com sua poesia para dentro do "buraco do espelho", entendendo que o "dentro" pode ser "de fora de si". Compreendi que poesia é espaço aberto onde cabem múltiplas realidades. "Dois ou mais corpos no mesmo espaço". Paradoxo.
Os anos se passaram e vieram outros discos, livros. E nós, público, cantamos e meditamos sobre "As árvores", sobre "O sol", sobre o tempo, sobre a velhice, a infância, a morte, o amor, a inveja, o olhar, o corpo, o caber, o não caber... sempre de forma inédita, afetiva, generosa com a vida e sua tentativa de compreensão. Fazendo caber em palavras o que transborda ao nosso entendimento, recriando entendimentos por trasbordar as palavras.
Arnaldo tem um público não sei se grande ou médio, comparado às massas atingidas por outras figuras ou grupos, pode ser até pequeno. Não importa. O que importa é que ele é real  e profundamente admirado por muitas pessoas da minha geração entre outras, que suas músicas e seus discos estão entranhados em nossas vidas, nos ensinando a olhar, reinventar o olhar e sentir. Ser por inteiro, sabendo-se parte.
Nome, O Silêncio, Ninguém, Paradeiro, Um Som, Saiba, O Corpo, Iê Iê Iê, A curva da cintura. Psia, Tudos, Dois ou + Corpos no Mesmo Espaço, n.d.a. e assim por diante.
Sempre tive vontade de agradecê-lo. Apesar de ter falado com ele uma ou outra vez sobre o tema, nunca achei meios de fazê-lo. Fica aqui, então, o registro virtual. Para Arnaldo.

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