REVER

Não sou muito adepta da explicação do que se cria, mas tive vontade de divagar um pouco sobre os motivos que me fizeram compor a minha última canção, Rever.
A palavra “divagação“ está, inclusive, bastante ligada a tudo isso.  Gosto muito do devaneio, da associação livre, da atmosfera de sonho, onírica.  Inclusive nas minhas oficinas de criação poética prezo muito isso, por manter-se uma atmosfera protegida da relação entre “certo” e “errado”.
Vejo as minhas músicas como um mergulho nesse lugar, um mergulho para dentro onde surgem imagens e fluem, associando-se umas às outras sem compromisso propriamente com uma amarração final. Como fragmentos em fluxo.
A canção Rever fala sobre uma necessidade que surgiu em mim, de uma porção de aterramento no meio desse sonho, que tanto prezo. Mas esse ímpeto apareceu não só em relação ao que faço, mas também em relação ao que vejo e ao nosso mundo como ele se organiza.
A proporção imensamente virtual que tomou as nossas vidas, das janelas que se abrem, múltiplas, formando as redes, desfazendo as raízes, têm tornado o “fazer arte” cada vez mais ligado às relações horizontais do que verticais. Onde predomina o “sentir” ao “pensar”. Se observarmos as redes que articulam e determinam a nossa forma de se expressar e relacionar, a base é o “like”. E assim as relações se organizam a partir do “curto” ou “não curto”. “Aceito” ou não “aceito”. Esse “eu sinto” se tornou o centro da comunicação que rege todas as engrenagens. O nosso poder.
Essa música Rever é como que uma reflexão sobre a necessidade de se “pensar” também, além do “gostar”. De se comunicar, tendo-se “os pés no mesmo lugar”. Aterrar, ver o outro, compartilhar algo que seja mais concreto e objetivo.  Afinal “o sonho, você tenta segurar/ a terra, não dá pra derrubar”.

REVER

por querer, por tentar
pra poder descansar
trago um sonho que ecoa
nos quatro cantos deste lugar
mas aquilo que não se toca
talvez não possa recordar
e voa, corre por qualquer lugar
é pássaro para não voltar

pra dizer, revelar
vou rever, vou olhar
se o que sonho, e que ecoa
também no entanto te faz pensar
é aquilo que nos toca
é os pés no mesmo lugar
o sonho, você tenta segurar
a terra não dá pra derrubar

3 comentários:

  1. O mais difícil talvez seja mudar dentro de si o impulso hedonista que nos faz querer não pensar sobre o que não curtimos previamente. Podemos ser bem seletivos com a nossa disposição para raciocinar. Isso atrapalha a interpretação, por que às vezes para interpretar corretamente algo temos que sair da nossa zona de conforto, temos que por nossos pés na terra que quem escreveu está. E por que fazer isso quando se tem milhares de estímulos agradáveis bem aqui na nossa bolha virtual, no nosso universo particular?
    Nós que concordamos que pensar de forma concreta e objetiva é importante já fazemos isso, já nos colocamos nesse lugar comum. Mas como tocar quem não tem esse ímpeto?
    Curti a reflexão!

    Quero falar um pouco mais sobre algo que seu texto me provocou... Arte precisa provocar sensações, estímulos, antes de serem percebidas interpretadas racionalmente pelo cérebro, certo? Mas quanto mais up-down esses estímulos são, menos bottom-up eles são também, né?! Quero dizer, existe uma forma de fazer que quanto mais fácil para a razão eu torno uma arte, mais eu removo os estímulos que simplesmente provocam sensações. Ou melhor, quando eu facilito a percepção de algo eu também faço com que a sensação dure menos. É como estar lendo ao invés de perceber o desenho das letras e formas com que o texto ocupa o papel.

    Eu costumo escrever dentro de um sonho também, às vezes colocando palavras no papel que são apenas fragmentos de sentimentos: Frases que evocam lembranças, imagens... e que somente depois passam a ter nexo no texto, mas que dentro de mim já estavam ligadas de uma forma muito profunda, e que às vezes tive dificuldade em expressar. Eu acho interessante é quando mostro essas letras, ou poemas, pra alguém e vejo minhas frases, meus sonhos, se tornarem um universo completamente diferente na cabeça da outra pessoa. E isso por que a interpretação costuma ser dúbia, costuma ser difícil de digerir (não quer dizer que é bom ou que eu escrevo bem, claro).

    Em parte me agrada essa abertura de possibilidades, em parte me incomoda. Às vezes escrevo para tirar certos sentimentos obsessivos da cabeça, e não gosto de vê-los sendo interpretados de qualquer maneira, nem sendo lidos com pressa... isso quando não sou eu mesmo que releio e vejo que estou insinuando interpretações bem diferentes do que eu queria passar, como quando bagunço as imagens, ou quando as frases perdem o sentido que tinham dentro do meu peito ao se juntarem na semântica do texto. Isso me entristece (pra não dizer irrita) mais ainda!

    Então tenho tido mais cuidado com esse "mesmo lugar" que você cita. Só tenho esbarrado nesse problema: quando sou explicativo demais perco a capacidade de tocar.
    Ainda estou trabalhando pra alcançar esse "ponto doce" do limiar entre razão e sentimento. O que você acha sobre isso?

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